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Desenvolver software precisa ser divertido?

Hoje pela manhã topei com este tweet (https://twitter.com/henriquebastos/status/1107592789485936640): “Desenvolver software precisa ser divertido. Quando deixa de ser, algo está errado.”

O que iniciou uma discussão muito boa (inclusive com um dos membros aqui da taverna, o @alyssonbruno.

Acho um assunto fascinante: discordo de que o ofício precise ser divertido. Acredito que haja inclusive hoje uma obsessão com esta palavra - diversão - que acabe por tirar o seu próprio significado. Isto por que a diversão só existe quando é ocasional, quando é o tempo inteiro, perde sua função: vira rotina.

E uma rotina divertida na realidade é uma rotina agradável, o que é bem diferente do pico de felicidade que a diversão oferece.

Acredito que seja inclusive um fenômeno geracional este, o de que o trabalho deva ser divertido. Fruto de anos (décadas) de infantilização e a criação de uma população que não tem de fato a noção do que é responsabilidade, dado que há emprego farto em nossa área (você pode, em teoria, fazer merda em uma empresa e estar empregado em outra logo na sequência sem sofrer grandes consequências (mas há limitações e consequências ocultas neste comportamento, fica a dica)).

Antes de prosseguir com meus pontos gostaria de ouvir a opinião de vocês a respeito, pois acho que dará uma bela discussão aqui!

Desenvolvimento tem de ser divertido? Sempre é? Por que tem de ser divertido? O que diversão significa?

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Acho essa reflexão muito válida.

Ano passado eu havia confeccionado o seguinte tuíte:

Pouco tempo depois, a Internet com seu linguajar mais eficaz também discursou sobre o tema da seguinte forma:
images

Ao meu ver, gostar da profissão e se realizar não significa divertir-se o tempo todo. Tem que ficar de olho nessa aversão ao lado “sério” da carreira mesmo, pois pode causar frustrações.

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Quando você fica mais velho (cheguei aos 40!) e, ainda mais, possa ao papel de contratante, muita coisa fica mais clara (ou turva, sempre posso estar cego por estes fatores).

O primeiro é este mito de que você tem de estar se divertindo sempre. Acho que você tem de estar não se divertindo, mas feliz, e se não o tempo todo pelo menos na maior parte dele.

O papo da diversão vejo surgir normalmente saindo do RH, não qualquer RH, mas aquele de ti, sim, a TI que tem uma necessidade imensa de mão de obra, não a encontra, cai em desespero e começa a vender um mundo irreal: o mundo da diversão eterna.

(Um RH irresponsável e que não pensa no médio e longo prazo, um RH que só se preocupa em contratar de forma desesperada e despreparada)

E se esquece que a diversão - conceitualmente - só faz sentido quando esporádica ela tem de ser um pico contra o dia a dia. Caso contrário é rotina. E uma rotina sempre ultra divertida não existe, nem se você estiver chapado o tempo inteiro (sempre há a ressaca).

Aí vem a questão do desafio: do ponto de vista profissional o desafio se mistura hoje com o conceito de diversão. Desafios não dão sempre agradáveis, a maior parte e os mais significativos normalmente não são. O trabalho mais desafiador da minha carreira não foi divertido, mas horrível. Uma experiência péssima.

Mas o tempo passou e vi que nunca aprendi tanto igual naquele trabalho, em todos os aspectos. E entendi que o desafio de entrega me deu um prêmio que valeu à pena.

O grande lance, na minha opinião, é de fato gostar do ofício. Se você realmente gosta, desafios (positivos) são um brinde, não uma necessidade como a única coisa que te faz feliz. Você começa a entender e, mais importante, valorizar estes momentos.

Por que se tudo é desafio, tudo é diversão, no final você não tem variedade, você se ilude e de fato não tem nada.

E aí pergunto: por que está super valorização do desafio? Por que você não pode ser feliz e acomodado? Por que existe esta mentalidade hoje e por que domina?

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@kicolobo, eu tenho a mesma “encrenca” com a palavra diversão.

Nem tudo – ou até ousaria dizer que a maioria das coisas – no desenvolvimento de software são flores. Muitas vezes é chato, repetitivo, burocrático.

E, por mais que linguagens como Ruby façam o processo ser mais agradável, sem “suor” a coisa não sai.

Então fico muito cabreiro com essa cultura da diversão, do tudo é festa. Por a mão na massa realmente não é fácil.

Pra quem tiver interesse, tem um texto do Ícaro de Carvalho muito interessante que explica um pouco desse fenômeno e dessa constante busca.

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sabe qual acho que é outro problema?
Esta boa intenção em dizer que o ofício é divertido acaba o desvalorizando.

Fazendo um paralelo, vejo meus pais, por exemplo, que são artistas plásticos. É a vida inteira passando por constrangimentos absolutamente desnecessários de pessoas dizendo que o que fazem não é trabalho, é prazer, é diversão, quando há um esforço MONSTRUOSO por trás de cada pintura, escultura, trabalho.

Idem com código: uma coisa é ser satisfatório, você obter prazer do resultado, agora, a construção, não, não é sempre divertido.

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não acho programar divertido, é chato lidar com com código com erros de compilação bizarros (C++), falta daquela funcionalidade na linguagem X que vc trabalha q na Y tem e por ai vai, porque na minha visão programar é o ato de escrever o código p/ máquina executar

eu me divirto resolvendo problemas e preferencialmente os complexos, por isso, acho q parei na computação, eu gosto de me desafiar e a área que mais me deu desafios foi a computação

tanto que no ensino fundamental e médio o que me motivava ir na escola era poder participar das olimpiadas de matemática, fisica, quimica e por ai vai. ir na aula p/ acompanhar um professor me falando com outras palavras o q tá escrito no livro e me aplicar testes é extremamente entediante

em geral, eu gastava 2 meses do ano p/ ler todas as apostilas da escola e não precisar mais estudar o resto do ano todo praticamente. assim passava o resto do tempo fazendo o q queria, só dava uma revisada p/ as provas.

na graduação o q me salvou foram as competições de programação pq era a msm coisa além de lidar com o ego inflado de profs das federais.

hj estou indo com minha carreira p/ a área de ciência de dados pois me lembra mto os tempos de olimpiadas de matemática e programação.

os desafios desse mercado são mto divertidos!

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O trabalho não diverte, ele tem momentos divertidos, o que é diferente. Acho que o maior prazer que se pode extrair dele é aquele mais refinado, associado a conquistas e realizações de longo prazo. Quando você aprende coisas e se vê capaz de fazer mais do que era antes - ainda que o processo possa não ter sido divertido em si, e que posteriormente não tenha que ser.
Agora, quando o trabalho está desagradável, aí é hora de pensar. Pode ser deficiência de quem trabalha, falta de conhecimentos, tanto técnicos quanto do negócio. Mas também (muito importante!) deficiência de quem demanda e cobra: requisitos pouco claros, prazos irreais, pouca comunicação, quando politicagem e decisões arbitrárias passam por cima da técnica… São coisas que impedem a pessoa de extrair tranquilidade do trabalho, pois provocam a sensação ansiosa de que “vai dar alguma merda” e a pessoa sozinha não sabe ou não pode fazer nada a respeito.
Portanto, não temos que nos perguntar se o trabalho está ou não divertido (a maioria do tempo não estará), mas sim se costuma ser desagradável.

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Com certeza. Esse paralelo seu é bem real.

Infelizmente, além de ser uma forma de atrair desenvolvedores também passa a ser uma forma de controle, porque basta pizza e coca cola para que fiquem sexta a noite e final de semana “comando”.

Então o incentivo para continuar com essa narrativa é alto.

Com certeza esses desafios podem ser muito legais. E as vezes tem gente que deve se divertir demais.

Mas é igual o Kico falou, se 100% fosse divertido, deformaria até o sentido de divertimento. Algo é divertido porque é diferente, é raro.

Não só na computação, qualquer área tem seus problemas, alguns extremamente interessantes, outros extremamente maçantes. Essa ideia de que tudo é flores não existe.

Uma vez meu pai me disse: “Gosto do que faço, e não, faço o que gosto!”. E foi bem nesse contexto sobre felicidade no ambiente de trabalho. É possível trabalhar com algo que você não ama, e mesmo assim estar e continuar feliz com seus resultados na vida profissional. Não precisamos amar o ofício para sermos profissionais.

Uma professora minha da época de segundo grau dizia que isso de “você tem que atuar profissionalmente com aquilo que gosta” era um grande absurdo, já que ela gostava mesmo era de ficar a toa deitada no sofá vendo Sessão da Tarde, logo, não tinha como ela pagar as contas com isso. Ela também rebatia com essa mesma frase do seu pai: “goste daquilo que faz”.

Mas enfim, enaltecer o emprego como algo “divertido” pode ser só uma confusão de vocabulário quando a pessoa quer expressar sua felicidade com aquela atividade. Nesse sentido, trabalhar com projetos envolvendo tecnologia é de fato uma fonte ímpar de desafios interessantes e realizadores.

O difícil é quando o indivíduo se deixa levar por essa infantilização da carreira de TI e coloca a dimensão da diversão literal como algo mais importante que a dimensão do profissionalismo, perdendo oportunidades de aprender a trabalhar e concretizar projetos com seriedade e maturidade em empresas menos “cool”.

De qualquer forma, esse assunto me lembra de outra reflexão. O ser humano é muito bom em várias coisas, e duas delas são: 1 - sustentar cegamente um ponto de vista que o faça se sentir especial; 2 - encontrar distrações para evitar encarar a o vazio existencial da realidade (ninguém é especial).

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